


Na escrita, nos revelamos. Ali, inevitavelmente, mergulhamos em nosso íntimo. Sem aviso prévio, algo escapa. Entre uma palavra e outra, o desconhecido se revela. É possível ler algo de si, marcado nas brechas e lacunas deixadas pelas entrelinhas.
A Rosa Montero vai dizer que nós inventamos nossas lembranças e por isso inventamos também a nós mesmos. Ficcionamos nossa vida. Escrevemos e vivemos uma escrita. Foi partindo dessa relação entre escrita, verdade, invenção e ficção que encontramos o tema do primeiro ciclo do Lacuna.
Quais são os efeitos de uma escrita de si? De que maneira memória e vivências se entrelaçam? Muito tem se falado da autoficção, marcada justamente pela ambiguidade entre ficção e realidade. Seriam, ambas, faces de uma só coisa?
Um texto diz da realidade apenas quando a base é um fato real? Ou seriam as fantasias tão sólidas quanto? Será que os vestígios e fragmentos de uma história não estão sempre acompanhados também de uma certa invenção?
Bom, diante desses questionamentos, selecionamos três livros para o primeiro ciclo. São escritas diferentes, mas todas passeiam pela narrativa de si.
Em A outra filha, Annie Ernaux vai contornar temas como ausência, relações familiares e os efeitos dos não ditos. A autora retoma seu próprio passado e, a partir das palavras, faz dele algo diferente.
Alejandro Zambra também é um autor que explora a autoficção em algumas de suas obras. Em "Formas de voltar para casa", o segundo livro que estudaremos no trimestre do Lacuna, o narrador revisita suas memórias, e através delas, revivemos a infância em um Chile marcado pela sombra da ditadura de Augusto Pinochet.
Em entrevista ao jornal O Globo, Zambra admite não ter muita clareza sobre a fronteira entre ficção e realidade, e que esta obra em particular, mais do que outras de sua autoria, talvez seja mais autobiográfica por ter sido escrita em primeira pessoa.
Já em afetos ferozes, acompanharemos as memórias de Vivian Gornick. Uma relação entre mãe e filha que se delineia a partir de fragmentos. Em busca de um lugar para si, Vivian encontra voz e palavra neste livro. Essa será a nossa terceira leitura do ciclo.
Pensamos, portanto, em um espaço que acolha leituras e reflexões singulares. Mas que, além disso, possibilite nossas próprias construções. Entre o que foi escrito e o que foi lido, existe uma lacuna contornada com palavras. E é no encontro com essa tessitura que algo novo nasce. A proposta do projeto passa por esse laço.
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A realidade é uma questão de palavras.
- Annie Ernaux, a outra filha
Um convite:
Pensamos com muito carinho no projeto Lacuna. Agora, é possível lançar o convite para que vocês possam fazer parte desse espaço potencial. Ali, a leitura se transforma em ato criativo. As brechas deixadas por cada livro são preenchidas pelo singular de cada leitor.
Para realizar sua inscrição e saber mais informações, basta acessar o link abaixo:
“É possível ler algo de si, marcado nas brechas e lacunas deixadas pelas entrelinhas.” que linda a forma como vocês construíram esse projeto 🤍 sensível como sempre!
Nunca estive tão ansiosa para embarcar em uma jornada quanto essa🥹❤️❤️❤️❤️